Ao pensar no por que "A ULTIMA CHAVE" é um projeto importante de ser realizado agora, o que transparece é a necessidade urgente de traduzir o encarceramento voluntário que todos estamos vivendo, diante de um mundo marcado pela violência, pela desigualdade social e pela falta de perspectivas de um futuro mais promissor. A universalidade do texto de a "A ULTIMA CHAVE" abre caminho para essa reflexão essencial.
Cássia Capellini, no papel de Berta |
Os fatos históricos ocorridos ao final da década de 80, e inicio dos anos 90, com o surgimento de movimentos de contestação social, a frágil reorganização do Estado brasileiro na recém redemocratização do pais, assim como o agravamento do conflitos em áreas rurais, e as evidencias de uma degradação social nas periferias e zonas populares das grandes cidades brasileira, levaram as autoridades ao aparelhamento de forças policiais no sentido de preservar a ordem. Esse fenômeno de apoderamento imposto pelos nossos governantes, explica o quanto as primeiras invasões dos morros pelas Forças Armadas, no Rio de Janeiro, é um tema universal que reflete o estado de violência ao qual estamos submetidos em nossa realidade diária. Recentemente, a violência explodiu em varias cidades do Estado do Espirito Santo, cobrando vidas Os centros urbanos tem enfrentado conflitos sociais, promovidos pelo crime organizado, facções criminosas ligadas ao trafico de drogas e milícias infiltradas na sociedade civil, conflitos que servem de fundo para uma viagem ao nosso inconsciente coletivo, recheado de medos, ameaças e castigos impostos. O sentido da morte, vulgarizado nos noticiários em todo o pais, revelam o quanto estamos nos isolando da realidade do mundo exterior, e mergulhados em uma espessa redoma domestica, onde acreditamos estar protegidos das ameaças viralizadas pela internet e pela televisão. Nossa interpretação da realidade acaba sempre filtrada pela tradução em imagens sensacionalistas que pretendem gerar no espectador a sensação de dependência, como elemento orientador da sua geografia social e emocional.
Vanessa Frisso, no papel de Olga |
Uma produção com as características materiais e artísticas de "A ULTIMA CHAVE" é uma oportunidade relevante para abrir um espaço de reflexão sobre narrativas contemporâneas e as relações de produção que envolvem a criação, elaboração e realização de um projeto cultural de baixo orçamento. A necessidade de aprimorar as ferramentas criativas em um projeto com poucos recursos materiais, leva à utilização de elementos cenográficos e de composição que podem ser extraídos do real, assim como a incorporação de elementos visuais que trabalhem o conceito de economia, no tratamento da luz como expressão dramática, e a redução de uma parafernália técnica que afaste a importância do texto como foco central da ação teatral. Esses e outros conceitos de economia criativa, são alguns dos pontos que podem fazer de "A ULTIMA CHAVE" um espetáculo inovador no atual cenário teatral. Mais importante que a preocupação em fazer arte de vanguarda, é representar concretamente nossa realidade, a partir de um posicionamento correto da sustentabilidade. Materiais reciclados, objetos reais, material gráficos, adereços e elementos de vestuário com memória e desgaste físico, ou um posicionamento ecológico, com a papel de papel reciclado nos materiais gráficos de divulgação, podem servir de exemplo para que futuras produções da região, inspirem-se na noção de economia de produção com elemento motivador do processo criativo. Os cargos de direção criativa da equipe de "A ULTIMA CHAVE", assim como os demais integrantes da produção técnica do projeto, sabem da responsabilidade de realizar um espetáculo com altíssimo nível artístico e técnico, capaz de motivar as futuras gerações a uma visão diferenciada do espaço cênico, e de seus elementos ficcionais e dramáticos.
Hélia Camara, no papel de Eutália |
A necessidade de criar, produzir e realizar um teatro capaz de provocar reflexões e questionamento no público, parece ser cada vez mais necessária no atual panorama cultural do pais. A sobrecarga de textos de gênero cômico ou satírico, quase sempre com temas inspirados em crônicas do cotidiano, cada vez mais vulgares e banais, vem criando no hábito pela comédia a imagem de uma válvula de escape para nossas tensões e preocupações pessoais e sociais do dia-a-dia. Apresentar ao público uma montagem teatral onde o drama motive reflexões sobre a nossa realidade, é cada vez mais difícil e improvável. Os focos de resistência a banalização do texto teatral e a valorização de valores estéticos e criativos, hoje se concentram em companhias de teatro alternativas, ou em projetos de produção independente sem recursos para divulgar e promover seu trabalho. É nesse território, que "A ULTIMA CHAVE" defende o caráter fundamental do drama, assim como de suas vertentes trágicas, como objeto de motivação para o publico. Pensar que as classes populares não se interessam pelo drama, é uma distorção que precisa ser corrigida. Diante de um texto direto, sem intelectualismos e simbologias herméticas, e de uma interpretação de todos os seus elementos, direcionada de forma clara e compreensível, homem comum pode receber de coração aberto um espetáculo de qualidade e sentir-se beneficiado em suas aspirações emocionais.
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