CONCEITOS ESTÉTICOS DE "A ÚLTIMA CHAVE"
PROPOSTA DE DIRECĀO
A dimensão "rodrigueana" do texto, com forte influencia de uma crônica urbana e popular carioca, faz com que os que os critérios de direção sejam interpretados de forma simples e direta , em uma escala realista, que facilite a identificação do publico com as personagens de "A ÚLTIMA CHAVE". Apesar do rigor estético e conceitual dos projetos de cenografia, iluminação, figurino e trilha sonora, pautados pelo diretor com referencias no expressionismo alemão, no minimalismo e no realismo fantástico brasileiro, o trabalho de direção de atores deve utilizar um tratamento naturalista do corpo e da voz, assim como de todos os tempos dramáticos e jogos de ocupação do espaço cênico. Neste sentido, a intenção é fazer o texto chegar ao publico sem atalhos de gênero, de representações simbólicas ou de qualquer forma de caracterização que o afaste da dimensão cotidiana. Mesmo na extensão do universo imaginário das personagens, o tratamento de texto não devera se utilizar de artifícios fora do contexto e padrão natural de convivência do ser humano no mundo real.
A longa experiência do escritor e diretor Zé Peixoto com cinema, televisão e artes plásticas, reflete a intenção do projeto, de buscar um rigor plástico na montagem teatral, preservando, no entanto, seu aspecto humano. O tratamento das ações cotidianas, e do comportamento psicológico dos personagens, assume quase uma dimensão narrativa de aspecto documental. É como se a plateia pudesse assumir o papel de "voyeur", diante da condição de isolamento e clausura reais, vividas de Berta, Olga e Eutália. O sobrado onde se desenrola toda a ação, pretende, na visão do diretor, representar o isolamento vivido pelo homem contemporâneo e a falsa sensação de proteção, que o espaço domestico nos proporciona.
O aspecto narrativo de "A ÚLTIMA CHAVE" propõe um tempo de ação dramática, no qual o silencio dos personagens permeia intervenções de trilha sonora e sonoplastia, que sejam capazes de transportar o publico a uma dimensão exterior a cena. O silencio fala e grita quando os personagens se fecham em suas memorias, angustia e dramas pessoais. O mundo exterior, nunca compreendido em sua realidade, é projetado nas personagens como um monstro devorador, que ameaça a tudo o que elas tentam preservar, cada vez mais contaminadas pela degradação moral que leva a loucura. A cumplicidade do publico, motivada através do fácil reconhecimento de todas as atividades que existem fora de cena, amplia ainda mais a compreensão do texto e o perfil psicológico e humano de cada uma das três irmãs de "A ÚLTIMA CHAVE".
PREPARACĀO DE ATORES
Na fase inicial dos trabalhos, as leituras de texto serão feitas apenas com a participação do diretor e do elenco, ocasião em que serão desenhadas as primeiras linhas e impressões de cada atriz em relação ao seu personagem. Nessas leituras, o diretor trabalhará com o elenco a geografia do mundo real, da memoria ancestral e do conjunto de ameaças do mundo exterior. Também serão marcadas as primeiras pautas das relações e jogos entre cada um dos personagens. Uma vez definidas as linhas básicas de atuação, terão inicio as leituras abertas aos demais profissionais criativos de cenografia, iluminação e figurino e trilha sonora.
Na fase de ensaios, o diretor pretende realizar um trabalho preliminar com cada atriz, definindo, individualmente, as primeiras pontuações sobre trabalho de corpo, de voz, e de composição da personagem. Somente a partir desses trabalhos, os ensaios irão concentrar todo o elenco, dando inicio ao processo natural de interpretação do espaço, marcações, tempos dramáticos, incorporação dos conceitos de cenografia e iluminação, provas de figurino, maquiagem e etc.
Os ensaios com definições mais complexas de interpretação dramática, deverão acontecer em paralelo ao desenvolvimento e detalhamento dos projetos artísticos de cenografia e vestuário, quando o elenco já poderá incorporar elementos de composição e caracterização aos personagens. Nessa fase, serão incrementados os exercícios de corpo, voz e disposição espacial dos personagens.
Nas duas ultimas semanas do cronograma de ensaios, o elenco iniciara as marcações finais do espetáculo, tempos dramáticos e jogos de cenas.
USO DO ESPAÇO
A montagem do espetáculo está pensada para utilizar espaços alternativos de encenação. A ideia é centralizar toda a ação dramática de "A ULTIMA CHAVE" em um único espaço do antigo sobrado. Em cena, estarão conjugadas a sala de estar, de jantar e o local de corte e costura. A noção de perspectiva e profundidade proporcionada pelo palco italiano, permitirá recriar, através da luz, as diferentes conexões com tudo o que acontece fora da cena. As ações que se desenrolam no porão da casa, a escada que leva ao mundo secretos do quartos, a conexão com a cozinha do sobrado, e o espaço ameaçador da rua, deverão ser explorados com a ajuda da profundidade do palco italiano. A disposição frontal da cenário principal com a plateia, e a boca de cena ocupando a extensão total do palco, garantem a formação da quarta parede, projetando junto ao publico a relação de confidencialidade estabelecida entre os seus três personagens.
CENOGRAFIA
A intenção de utilizar objetos reais na composição do mobiliário, assim como nos adereços e utensílios com função dramática no enredo, servirão de apoio para as duas dimensões essenciais das personagens, seus conflitos internos e externos. Tais conflitos encontrarão suporte "no objeto real", em todas as atividades e ações dramáticas, perfiladas durante toda a trajetória do espetáculo.
O conflito externo marcado pelo peso das atividades domesticas e de sobrevivência, deve ser traduzido pelo realismo do console com a máquina de costura, o manequim de provas e a grande mesa de jantar onde são recortados os tecidos e os moldes dos vestidos. Por sua vez, o conflito interno, atrelado ao passado trágico da família, e reforçado pela noção de pecado e traição, deve ser traduzido pelos elementos reais com vínculos emocionais, como o piano onde Berta reaviva a imagem do pai, o ventilador de pé que reforça as consequências da clausura e do isolamento, o televisor, ultimo reduto vinculado ao mundo real, ou o velho armário, trancado a sete chave e foco de todos segredos, pecados e proibições.
Com forte incidência sobre o sentido dramático do texto, o projeto cenográfico de "A ULTIMA CHAVE" deve despertar no público a sensação de um ambiente de fácil compreensão e reconhecimento espacial, porem repleto de recantos secretos e obscuros, motivados pela noção de vazio.
ILUMINACAO
A criação do desenho de luz devera ser concebida, marcando a diferença das ambiências visuais do primeiro e do segundo atos de A ULTIMA CHAVE.
A ambiente cotidiano vivido pelas irmãs em todo o 1 ° Ato, estará marcado pela clausura de portas e janelas do sobrado, com um padrão cálido de iluminação ambiente, com marcações de luz pontuais, que permitam dar destaque aos elementos propostos pela cenografia. As mudanças no tom e intensidade de luz, devem alternar entre a luz difusa do mundo real, e uma dimensão imaginaria, marcada por contrastes estéticos inspirados no expressionismo alemão. As zonas de alto contraste e a criação de perspectivas luminosas, devem ser capazes de traduzir e dimensionar a angustia e o isolamento do mundo imaginário de cada personagem. Essa marca expressionista deve dar suporte as ambiências sonoras que também compõem a dimensão psicológica das personagens.
No 2° Ato de A ULTIMA CHAVE, quando o drama já se encontra mergulhado definitivamente na obscuridade dos personagens, a iluminação de lampiões e velas passa a fazer o recorte dramático, de um padrão de luz ambiente que devera se manter inalterado ate o final do espetáculo. Com o o mundo exterior cada vez mais perigoso e opressor, as infiltrações de luz da rua, através das venezianas e frestas da porte principal do sobrado, marcarão a passagem do tempo, definindo a ideia de dia e de noite. Na medida em que avancem as ações do segundo ato, os espaços visuais serão cada vez menos perceptíveis, cotizando apenas objetos e mobiliários que concentrem as ações dramáticas dos personagens.
FIGURINO
O caráter moral e puritano imposto pelo personagem de Eutalia, e que incide diretamente sobre o comportamento de suas irmãs Berta e Olga, deve definir as linhas austeras do figurino. A indumentária e os adereços pessoais devem reforçar o clima de opressão, na convivência diária das irmãs no sobrado trancado. A clausura emocional dessas três mulheres, diante da loucura da mãe e das ameaças cava vez mais presentes do mundo exterior, justifica uma palheta no vestuário que explora as nuances de negros e cinzas, como ausência de esperança e de vitalidade.
O calor escaldante do verão carioca forca o corpo a se desnudar, mas sempre com o pudor predominante, da indumentária que limita a visão da carne. Apenas Berta, a irmã mais jovem, deve levar pecas intimas mais ousadas, vistas por Eutália como indecorosas e permissivas.
Uma parte fundamental do figurino são as roupas confeccionada para a cliente de alta sociedade. Em oposição ao cinza e ao negro das irmãs, os modelos dessa cliente apresentam uma palheta de cores vivas e vibrantes, associadas a padrões extravagantes. Se no figurino pensado para as irmãs a fonte de inspiração está na ausência de recortes, com modelagens secas e austeras, típicas das classes proletárias do pós-segunda guerra, no caso dos modelos da socialite, o que deve predominar é a volúpia dos movimentos de tecido, com modelos que oscilem entre o prêt-à-porter dos anos 80 e 90, com alguns elementos de alta costura.
CONTEÚDO TRILHA MUSICAL
O desenho da trilha de A ULTIMA CHAVE deve trabalhar com ambiências sonoras que representam espaços reais, que se encontram fora dos limites cenográficos. Os gritos e gemidos da mãe com problemas mentais, trancada no porão com seu cão guarda, que pode latir a qualquer momento, o som das telenovelas e dos telejornais e dos boletins de urgência no velho aparelho de televisão, ou a movimentação de tropas do exército, com carros de patrulha, catracas dos tanques, tiros e vozerio, durante a ocupação dos acessos a favela, devem levar o espectador um universo imaginário fora do espaço cenográfico.
A sonoplastia deve ser capaz de ilustrar também ambientes emocionais, , marcados por visitas ao passado visões delirantes e transtornos de conduta, executados apenas na dimensão imaginária de cada uma das três irmãs. Na relação entre elas no mundo real, apenas o texto deve compor as ações dramáticas.
A parte musical ficará restrita as intervenções de Berta ao piano. Deverão ser utilizados trechos de musicas clássicas de domínio publico, com variações entre Frederick Chopin, Tchaikovsky ou canções infantis ou de ninar do imaginário popular brasileiro.
/Obs/
Todos os textos acimas se limitam a referencias conceituais, que deverão ser retrabalhadas pelos profissionais criativos do espetáculo, de acordo com a interpretação técnica e conceitual de cada um junto as intenções do projeto de direção.
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